Até quando? 75% dos negros ainda são vítimas de violência
Updated: Oct 19, 2021
Só em 2019 a polícia carioca matou 1814 pessoas, sendo 86% negras
Após a morte do afro-americano George Floyd, em junho de 2020, na cidade de Mineápolis/EUA, uma onda de protestos antirracistas eclodiu no mundo. O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) ganhou força e chegou no Brasil em um momento de violência nas periferias. Segundo relatório produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco apontam que 75% da população negra é a principal vítima de violência policial no país.
De acordo com o relatório, o estado da Bahia apresenta o maior percentual de negros mortos pela polícia; 97%, e em números absolutos fica atrás apenas do Rio de Janeiro e São Paulo. Só em 2019 a polícia carioca matou 1814 pessoas, sendo 86% negras. O número é o maior dos últimos 30 anos. Em 77% dos casos o Ceará não notifica a cor dos óbitos. Em Pernambuco de cada dez pessoas mortas, nove são negros. 51% da população do Rio de Janeiro é negra, mas 86% são o número de mortos. Já São Paulo, vê a letalidade policial aumentar e entre os mortos 86% são negros.
Mas, por que na maioria das vezes eles são alvos do sistema? Para o doutor, professor e sociólogo Gilvan Araújo, a resposta a essa questão tem algumas variáveis que estão na história e na educação. “A história que construiu a imagem dos negros como seres humanos submissos e à mercê da vontade dos brancos, reforçada por mais de três séculos de escravidão de africanos no Brasil. A educação por não ter dado acesso a população negra à alfabetização e bem a possibilidade de evolução acadêmica ou profissional. Assim, sem formação e condenado à submissão, o negro passou da condição de escravo para de desempregado e analfabeto. A abordagem policial – muitas vezes feitas por policiais negros – é uma das consequências desse racismo institucional e estrutural que a sociedade brasileira expõe há séculos.”, explica.
Ainda segundo Gilvan, as redes sociais exercem um papel fundamental na sociedade e podem ajudar na construção de narrativas. “As redes sociais podem ajudar na construção de narrativas positivas sobre as diversas ações de negros. Valorizar as boas ações e se posicionar como antirracistas diante de discriminações que possam testemunhar, inclusive denunciando os crimes de racismo ou de injúria racial.”, finaliza.
Moradora de Porto Alegre, A.M, conta que já presenciou algumas abordagens truculentas por parte da PM gaúcha. “Uma das vezes foi quando um jovem menor de idade foi abordado. Este levou golpes de martelo na cabeça, e a família denunciou o caso na corregedoria, mas de nada adiantou. O policial descobriu e começou a ameaçar a jovem e seus familiares, e para não correr risco tiveram que mudar de endereço.”, diz. Ela ainda completa. “Os policiais fazem vistorias nas casas sem ordem judicial, e muito menos usando identificação, usando apenas codinome para todos os PM que participam das invasões.”, finaliza.
Especialista em Segurança Pública, Luis Flávio Sapori, explica que ainda há uma perversa entre classes sociais. “Há uma perversa combinação entre população negra e população pobre, entre classes baixas e população negra - isso em função dos erros, das omissões ocorridas no país não só em função da escravidão, mas pós-escravidão. Não houve em nenhum momento no período pós-escravocrata, uma política pública consistente, e de inclusão dos negros libertos, e eles acabaram ficando relegados as periferias urbanas ou mesmo as áreas mais pobres do espaço rural.”, destaca. Ainda segundo Sapori, todo esse problema faz com que pagamos um preço muito grande nos dias de hoje. “Pagamos um preço enorme por isso até hoje. Os avanços são muito pontuais, é um grande desafio que a sociedade brasileira tem que resolver, e um grande débito que sociedade tem com a população negra nesse sentido.”, explica.
Questionado sobre as mudanças que precisam feitas na legislação para a fim de combater o racismo no sistema de justiça criminal brasileiro, Sapori, diz. “O problema do racismo estrutural ele já tem um ponto de vista legal – é crime. No ponto de vista da legislação brasileira, já temos as ferramentas e instrumentos institucionais necessários para enfrentar o problema, inclusive na atuação da polícia. O que nós precisamos é mudar a cultura, né? O racismo é uma construção cognitiva, então a mudança passa pela educação, passa por campanhas consistentes e pelo debate púbico consistente dos meios de comunicação de massa na internet, passa pela mobilização da comunidade e das populações negras pressionando as autoridades políticas por mudanças concretas, por políticas de inclusão social e passa pela maior valorização do negro nos esportes, na cultura, nas artes e no meio empresarial. Pelo ponto de vista legal nós já temos um arranjo de mudanças e medidas legais muito bom, mas agora nós precisamos que haja mudança cultural sempre numa perspectiva de integração, e não de confronto.”, explica.
Luis Flávio completa. “A mobilização da população negra que é vítima desse racismo estrutural passa pela luta desse reconhecimento, pela sua visibilidade e pelo respeito como ser humano.”, finaliza.
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