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William Barreto

Mapa da Fome: insegurança alimentar se agravou na pandemia e atingiu 70 milhões de brasileiros

Updated: May 20

No período anterior analisado, de 2019 a 2021, 61,3 milhões de brasileiros lidavam com algum tipo de insegurança alimentar

Caminhão de ossos é a salvação para moradores de rua, como Luis Vander Agência O Globo Caminhão de ossos é a salvação para moradores de rua, como Luis Vander Agência O Globo Agência O Globo

A quantidade de brasileiros que enfrentam algum tipo de insegurança alimentar alcançou a marca de 70,3 milhões no Brasil, segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) antecipado pelo GLOBO. De acordo com os dados, o número se refere ao período de 2020 a 2022, que engloba a pandemia de Covid-19, e representa um aumento de 14,6% em relação ao último levantamento da entidade, quando havia 61,3 milhões nessa situação. É como se uma a cada três pessoas no país tivesse passado necessidade para comer ao longo dos últimos anos.


Os números estão no relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI). Os dados ainda revelam que desse total, 21,1 milhões, ou seja, 9,9% da população brasileira possui insegurança alimentar severa, ou seja, ficaram sem comida por um ou mais dias. No levantamento anterior (2019 a 2021) esse número era de 15,4 milhões — um salto de 37%.


Dentro desse recorte, o relatório mostra ainda outro dado alarmante: 10,1 milhões de brasileiros estão em situação de subalimentação, que, segundo a FAO, também é considerado um indicador de fome. Este recorte leva em conta a quantidade necessária de uma dieta para que uma pessoa tenha bem-estar. Ou seja, ele não tem relação com o acesso ao alimento, e sim com a qualidade nutricional.


A Insegurança alimentar, por sua vez, é o acesso ao alimento. Ela é moderada quando não há certeza se a pessoa terá ou não acesso ao alimento, e grave quando não há o acesso ao alimento, ou seja, quando há fome por falta de comida.


Para entender os dados sobre fome no Brasil:


  • Insegurança alimentar moderada: as pessoas não tinham certeza sobre a capacidade de conseguir comida e, em algum momento, tiveram de reduzir a qualidade e quantidade de alimentos. Segundo a FAO, são cerca de 50 milhões de brasileiros nesta situação.

  • Insegurança alimentar grave: as pessoas que ficaram sem comida e passaram fome e chegaram a ficar sem comida por um dia ou mais. A FAO apontou que 21,1 milhões de pessoas no Brasil passaram por isso nos últimos três anos.

  • Prevalência de subalimentação: leva em conta a quantidade necessária de uma dieta para que uma pessoa tenha bem-estar. Ou seja, ele não tem relação com o acesso ao alimento, e sim com a qualidade nutricional. São, de acordo com o relatório, 10,1 milhões Brasil.


O Brasil atingiu uma marca negativa durante a pandemia ao voltar ao Mapa da Fome da ONU, o que não acontecia desde o início da década de 1990. Isso acontece quando mais de 2,5% da população enfrenta falta crônica de alimento. De acordo com dados da FAO, entre 2014 e 2016 eram cerca de 4 milhões os que sofriam de insegurança alimentar grave no país.


O professor Marcelo Neri, diretor do FGV Social, afirmou que os dados divulgados nesta quarta-feira são "chocantes", e apontou que, entre as causas, está a reação instável do país aos choques mundiais, como a pandemia.


“Um terço da população com algum tipo de insegurança alimentar é muito chocante para um país conhecido como fazenda do mundo, como um dos maiores produtores de alimento do mundo”, afirmou, completando: “Acho que o que está por trás é a nossa própria maneira de reagir aos choques externos, que foi instável. Teve uma instabilidade nas políticas de renda do Brasil, em 2021 o Auxílio Emergencial foi suspenso, tivemos eleições, desmonte nas políticas alimentares”.


Dados da Fome entre 2020 e 2022 segundo a ONU e números de retirada da linha de pobreza em junho segundo o governo federal: Foto: Editoria de Arte

A desativação ou a interrupção de políticas como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Programa de Aquisição de Alimentos, programas para a agricultura familiar e queda de investimento nas merendas escolares estão entre as causas citadas por Nery para contribuir para o cenário mostrado no relatório.


O professor destaca que a perspectiva futura, com a retomada dessas medidas pelo governo federal, é positiva.


“Olhando para frente a gente tem uma visão mais positiva, porque não só esses programas voltaram como estão melhores. A gente tem o governo federal e os estados reajustando a merenda, um Bolsa Família maior, com maiores benefícios para crianças. O relatório mostra também a piora da desnutrição infantil, que gera efeitos de longo prazo”.


O levantamento da FAO é diferente do da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), que no ano passado apontou 33 milhões de brasileiros passando fome.


Enquanto o organismo ligado à ONU utiliza metodologias internacionais — uma vez que realiza levantamentos globais —, os pesquisadores da Rede Penssan, com apoio de outras entidades, fazem visita domiciliar para saber se a pessoa passa fome. Os critérios e gradações de cada levantamento são diferentes e a pesquisa nacional utiliza recomendações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia).


Números mundiais


O relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) mostra ainda que, em média, 735 milhões de pessoas passaram fome no mundo em 2022, um aumento de 122 milhões de pessoas em relação a 2019, antes da pandemia de covid-19.


O documento aponta entre as causas para o cenário os conflitos climáticos, a pandemia e cita, ainda, a guerra na Ucrânia. O levantamento é realizado em conjunto com cinco agências especializadas das Nações Unidas.


A FAO aponta que os números globais da fome ficaram estagnados entre 2021 e 2022, mas que, apesar disso, muitas regiões enfrentam crises alimentares cada vez mais profundas, como a Ásia Ocidental e todas as sub-regiões da África em 2022. Ásia e América Latina aparecem como regiões onde houve redução da fome.


A África continua sendo a região mais afetada do mundo, onde uma a cada cinco pessoas passam fome, mais do que o dobro da média global.


O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou durante o lançamento do relatório na sede da ONU em Nova York, que apesar de algumas regiões caminharem para alcançar as metas nutricionais até 2030, ainda é preciso um "esforço global intenso e imediato" para eliminar a fome dentro do prazo estabelecido.


“Há raios de esperança, algumas regiões estão a caminho de atingir algumas metas nutricionais até 2030. Mas, no geral, precisamos de um esforço global intenso e imediato para resgatar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Devemos construir resiliência contra as crises e choques que levam à insegurança alimentar”, afirmou.

relatório mostra ainda que 29,6% da população global — ou seja, 2,4 bilhões de pessoas —, não tem acesso constante a alimentos e estão em situação de segurança alimentar moderada ou grave. Desse total, 900 milhões de indivíduos enfrentam insegurança alimentar grave.


Dieta saudável


O relatório mede ainda a capacidade de pessoas em acessar dietas saudáveis. Em 2021, mais de 3,1 bilhões de pessoas no mundo não conseguiram ter acesso a esse tipo de alimentação, o que representa 42% da população.


Nutrição infantil


Em 2022, 148 milhões de crianças menores de cinco anos (22,3%) tinham baixa estatura no mundo, 45 milhões (6,8%) sofriam de emaciação e 37 milhões (5,6%) tinham excesso de peso.


Áreas urbanas e rurais


A insegurança alimentar afeta majoritariamente pessoas que vivem em áreas rurais — 33% dos adultos que vivem em áreas rurais e 25% em área urbana.


Entre as crianças, o déficit de crescimento infantil é maior em áreas rurais, 35,8%, do que nas urbanas, 22,4%. A emaciação — a perda de massa muscular e de gordura — é maior nas áreas rurais (10,5%) do que nas áreas urbanas (7,7%), enquanto o excesso de peso é maior nas áreas urbanas (5,4%) em comparação com as áreas rurais (3,5%).


Linha da pobreza


O GLOBO ainda teve acesso com exclusividade ao número de famílias brasileiras que saíram da linha da pobreza em junho, quando passaram a receber mais que R$ 218 per capita com a transferência do Bolsa Família. O valor é o que o governo considera como mínimo para alguém ser considerado na faixa da pobreza. Ao todo, 18,5 milhões de famílias ultrapassaram esse patamar.


Os maiores avanços foram em São Paulo (2,2 milhões); Bahia (2,2 milhões); Rio de Janeiro (1,6 milhões); Pernambuco (1,4 milhões); e Minas Gerais (1,3 milhões).


  • AC: 101.410

  • AL: 479.063

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  • SP: 2.254.736

  • TO: 133.275

  • BRASIL: 18.522.115


Em março, o governo federal relançou o Bolsa Família com o valor mínimo de R$600 e o adicional de R$ 150 para crianças de até seis anos. Há, ainda, benefícios variáveis, como os R$ 50 para gestantes, crianças e adolescentes de até 18 anos.


O governo federal voltou ainda com as condicionantes, ou seja, condições que precisam ser cumpridas para garantir o repasse do auxílio pelo governo federal. Entre eles, estão: o acompanhamento pré-natal; acompanhamento do calendário nacional de vacinação; frequência escolar; e acompanhamento do estado nutricional de crianças.


A gestão de Jair Bolsonaro tinha substituído o benefício pelo Auxílio Brasil que, entre outros pontos, retirou as condicionantes e mudou critérios de repasse. O benefício foi alvo de auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU), que encontrou algumas irregularidades.


Entre elas, a Corte de Contas estimou, em dezembro do ano passado, que o governo federal pagava o benefício para 3,5 milhões de famílias com renda acima do necessário para ser beneficiado, o que representava um pagamento indevido de R$ 2 bilhões por mês.


A gestão anterior aumentou às vésperas da eleição o valor mínimo dos repasses para R$ 600. O tribunal, no entanto, apontou que o valor não ajudava a reduzir a pobreza e a desigualdade porque privilegiava famílias de apenas uma pessoa, em detrimento dos lares com crianças e adolescentes.


A permanência do valor do benefício foi um dos principais pontos da campanha do ex-presidente pela reeleição, que também apostou em um conjunto de "bondades" para quem recebia o benefício. Entre elas, estavam o 13º para mulheres. Como resultado, Bolsonaro passou a ser alvo de processos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo uso de programas sociais para ter vantagens eleitorais.


Por Alice Cravo e Jeniffer Gularte — Brasília (OGLOBO)




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